sábado, 24 de março de 2012

O som das letras


Música e linguagem têm vários pontos semelhantes. Na música, os sons se unem em sequência, formando uma frase musical ou uma melodia. Na linguagem falada, da mesma maneira, cada palavra ou frase é formada por pequenos sons que também se unem em sequência. Ambas têm o som como matéria prima, registrados, na forma escrita, por pequenos símbolos: notas ou letras. Ler, então, é transformar cada letra de uma palavra em sons, exatamente como na música: ler uma partitura é transformar as notas escritas em sons. O que nos interessa, neste momento, são os sons, mas os sons das letras.

Na língua portuguesa, com exceção da letra H, todas as vogais e consoantes têm sons. É simples assimilar o som das letras, se relacionarmos cada letra ao som inicial de uma palavra. A letra P, por exemplo, relacionada a PATO e PIPOCA, ou melhor, a letra do PATO e da PIPOCA. Ao substituir o nome das letras por palavras iniciadas pelas mesmas letras, mantêm-se o objetivo do princípio acrofônico*identificar o som que a letra representa — e evita-se que alguns nomes de letras, como M R, por exemplo, dificultem o aprendizado. Então, melhor dizer: a letra da MAMÃE e a letra do RATO.

Em nosso alfabeto, considerando os sons do início das palavras, há letras com um único som, como B, J, I ou U; outras com mais de um som, como A, E, O, G e C e a letra H, sem som algum. As letras D e T podem ter sons distintos nas palavras DEDO e DIA ou TATU e TIAGO, devido a diferenças dialetais, o que não será considerado no momento.


SONS DAS LETRAS NO INÍCIO DAS PALAVRAS
A, dois sons: AZUL, ANZOL
N, um som: NAVIO
B, um som: BONECA
O, dois sons: OVO, ÓCULOS
C, dois sons: CAMA, CEBOLA
P, um som: PIPOCA
D, um som: DEDO
Q, um som: QUEIJO
E, dois sons: ESCOLA, EVA
R, um som: REI
F, um som: FACA
S, um som: SAPATO
G, dois sons: GATO, GIRAFA
T, um som: TAPETE
H, nenhum som: HOMEM
U, um som: URUBU
I, um som: ÍNDIO
V, um som: VIDA
J, um som: JANELA
X, um som: XÍCARA
L, um som: LARANJA
Z, um som: ZEBRA
M, um som: MALA
K, W, Y: letras não relacionadas


Quem orienta a alfabetização precisa saber, com clareza, o que envolve essas pequenas diferenças e mostrar somente o necessário a cada momento do aprendizado. Exatamente como indicar um local num mapa. Há sempre um caminho mais simples e mais curto entre dois pontos, entre outros. Considerando o tempo, trânsito e facilidade de acesso, optamos por um deles. Escolhi o caminho mais simples para alfabetizar. Acabou sendo o mais rápido.

* Ver princípio acrofônico em  O nome das letras

quarta-feira, 21 de março de 2012

O desenho


Ler e escrever exigem o mesmo conhecimento inicial: os sons das letras. Para ler, identifica-se a palavra escrita a partir do som de cada letra, transformando letras em sons. Para escrever, num procedimento inverso, identifica-se, também pelo som, cada letra da palavra falada, transformando sons em letras. Porém, escrever requer uma habilidade a mais: coordenação motora bastante apurada para traçar manualmente as letras, incomum entre crianças de quatro a seis anos e pouca intimidade com lápis e papel. A solução é o alfabeto móvel: facilita o início da alfabetização, evitando que a dificuldade motora interfira no aprendizado.

Manusear diariamente as letras faz a criança reconhecer as formas de cada uma naturalmente, pelo contato manual. Brincar com as letras, colocá-las em espelho, fazer torres com formas idênticas são atividades que desenvolvem sozinhas. Sentir, tocar, comparar as linhas retas, as linhas curvas, observar as semelhanças e diferenças entre cada letra é o caminho mais rápido para a escrita manual.

Mas, e a coordenação visomotora? E as linhas pontilhadas, os risquinhos prá lá e prá cá, as cópias de letras? E o dever de casa para a criança e, principalmente, para a mãe da criança

— Que tal substituir tudo por apenas papel em branco? 

É inacreditável o que uma criança pode fazer quando lhe é dada a liberdade numa folha de papel. Certamente, vai começar por uma das atividades mais importantes e prazerosas — desenhar! Desenho, sim, desenho livre, tão simples: papel em branco, lápis preto e seis cores apenas, nada mais. Tão pouco, mas com resultados surpreendentes no aprendizado.

Ana Luiza, 6 anos

Francielly, 5 anos


Os desenhos de Ana Luiza, Francielly e Nicoly
foram inspirados no livro Chuva!, de Mary França,
com ilustrações de Eliardo França (Ática, 2010). 

Ana, que vê a chuva da janela, e seu guarda-chuva.
Chuva que molha o mar, molha o tico-tico no galho
e  o caranguejo molhado do mar.

Nicoly, 4 anos
 Sofia, 4 anos

É indispensável o desenho livre durante toda a alfabetização, para a criança desenvolver a criatividade, a concentração e, inclusive, a coordenação motora. É através do desenho que a criança chegará aos textos. Desenhando, reproduz o que vê e imagina, enquanto acumula dados suficientes para escrever. Agora sim, podemos falar sobre o som das letras.

sábado, 10 de março de 2012

O nome das letras

Muitas crianças chegam à escola conhecendo os nomes de todas as letras. Mães, pais e avós participam da importante tarefa de ensinar o A, o B, C, D... Na escola, o mesmo procedimento: começam pelas vogais e em seguida passam por todas as letras do alfabeto. E copiam seus nomes — JOÃO, JOÃO, MARIA, MARIAMARIAMARIA  dia após dia, até decorar! 
       
— Joãozinho já sabe escrever seu nome! E conhece todas as letras!

Desde a primeira vez que alfabetizei, em 1995, ensinei somente o que achava necessário. Sabia que era importante relacionar cada letra a seu som, como numa partitura musical, onde cada nota corresponde a um determinado som. Na linguagem, reconhecer o som que a letra representa é o caminho para chegar à leitura — ler é simplesmente identificar os sons das letras em cada palavra e juntá-los
            
Mas, por que mesmo se ensina o nome das letras logo no início da alfabetização? Por causa do princípio acrofônico, uma seleção de palavras que é justamente a chave para identificar que som cada letra representa.
         
“O princípio acrofônico foi uma das melhores ideias que apareceram nos sistemas de escrita: além de permitir uma grande simplificação no número de letras, trazia de forma óbvia como se devia proceder para ler e escrever. Uma vez identificada a letra pelo nome, já se tinha um som para ela. Juntando os sons das letras das palavras em sequência, tinha-se a pronúncia de uma dada palavra — o que, feitos os devidos ajustes, dava o resultado final de sua pronúncia; e, pronunciando, o significado vinha automaticamente”. (CAGLIARI, Alfabetizando sem o Bá Bé Bi Bó Bu. Scipione, 2010. p.18)   

O princípio acrofônico, que teve início na escrita semítica, faz todo o sentido no alfabeto grego: o som inicial do nome das letras é o som que a letra representa. Porém, no alfabeto da língua portuguesa, nem todas as letras têm seus sons no início dos nomes. Os sons representados pelas letras F, L, M, N, R e S, por exemplo, encontram-se no meio de seus nomes, dificultando sua identificação.

As letras A, E, O, C, G e X indicam apenas um dos sons que cada letra representa. As letras J e G tem sons idênticos, assim como as letras C e S e as letras I e Y. Não se escreve CASA com a letra K e a letra W... 

É mesmo necessário ensinar o nome das letras logo no início da alfabetização? Penso que não. Penso que não se deve! Melhor falar do que realmente interessa — os sons das letras.