sábado, 25 de fevereiro de 2012

A elegância do elefante

Você poderia me descrever um elefante? Se me pedissem para listar alguns adjetivos, eu diria que é enorme, pesado. Bastante desajeitado, também. Que o diga Walt Disney em Fantasia, desenho animado em que elefantes, hipopótamos, avestruzes e crocodilos apresentam-se ao som da “Dança das Horas”, de Ponchielli, numa deliciosa sátira ao balé clássico. 

Porém, para crianças da Educação Infantil, o livro didático diz o seguinte: “O elefante é elegante”. Justifica-se a frase pela necessidade de ensinar a letra E cursiva. O objetivo do exercício é completar as letras que faltam na frase, o que a criança faz sem pestanejar: seis espaços, seis letras.

O  l fant   é   l gant .
O elefante é elegante  

A letra E (ou É) aparece sete vezes na frase acima. Eu vejo a letra É sete vezesmas pronuncio da mesma maneira somente uma vez; e pronuncio quatro vezes a letra Ê e duas vezes a letra I  êlêfanti é êlêganti. Entretanto, a mesma frase pode ser bem diferente em outras regiões do país. Concluindo:

Traçar a letra E não significa “aprender” a letra. A criança precisa saber que, muitas vezes, o que ela ouve e fala não é exatamente igual ao que vai escrever. Precisa aprender quais sons correspondem a uma mesma letra, como no caso da letra E. Senão é tatear no escuro, repetir e decorar as palavras que vê, decorar nomes próprios, fazer mecanicamente exercícios que não compreende, copiar listas de frutas, listas de brinquedos e tirar conclusões sobre o que não entendeu. Muitas conseguem, outras ficam pelo caminho.
           
É possível aprender a ler com facilidade desde que a criança compreenda como funciona a língua que fala e como reconhecê-la na forma escrita. Lendo, amplia gradativamente seus conhecimentos e adquire autossuficiência para escrever. É do que pretendo falar de agora em diante.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

O que é alfabetizar


ALFABETIZAÇÃO - Ação de alfabetizar,
de propagar o ensino da leitura
ALFABETIZADO - Que sabe ler
(Dicionário Escolar da Língua Portuguesa,
Francisco da Silveira Bueno, FENAME, ,1981)
       

Tempos atrás não me separava do dicionário de Francisco Silveira Bueno. Hoje é o Aurélio que me faz companhia e quer me dizer que “ALFABETIZAR é ensinar a ler e escrever”. Mas não concordo. Para mim, alfabetizar é ensinar a ler e dar tempo à leitura para que ela mesma indique como escrever. Escrever, realmente, transmitir uma ideia, por mais simples que seja. Tudo que a leitura constante torna possível — acumular dados para construir uma frase, depois um período e um texto. 

Uma criança que lê bem, escreve com facilidade e segurança. Lendo, assimila as diferenças entre a linguagem falada e a linguagem escrita. Também é a leitura que lhe dá as primeiras informações sobre a pontuação e, o mais importante, o prazer de descobrir um universo ilimitado de possibilidades. 

Ensinar a ler e permitir que a criança estabeleça paralelos e conclusões sobre o que lê, para depois escrever, dando forma ao pensamento, é o real significado de alfabetizar.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Senso comum


“A falta de modéstia é a falta de senso comum”.
Alexander Pope (1688-1744)

Ontem procurei saber, com precisão, o que seria senso comum: senso comum é o que as pessoas comuns usam no seu cotidiano, o que é natural e fácil de entender”, ou ainda um ato de agir e pensar que tem raízes culturais e sociaisMas, o que realmente me agradou foi a definição de de Rubem Alves. Segundo ele, “a expressão ‘senso comum’ foi criada por pessoas que se julgam acima do senso comum, como uma forma de se diferenciarem das pessoas que, segundo seu critério, são intelectualmente inferiores (Filosofia da Ciência)

Mas, por que mesmo escrevo sobre senso comum? Ah, sim, foi o que me disse uma pedagoga ao saber que não cursei Pedagogia: 
— O que você faz é de senso comum, não?

Ironia à parte, pensando bem, acho que ela tem toda a razão: o que faço é natural e fácil de entender, um ato de agir e pensar que tem raízes culturais e sociais. Não é do que precisam as mães para ensinar seus filhos quando a escola falha? 

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Os alfabetizados do Colégio São Bento


A direção do Colégio São Bento sabe que só alunos muito bem alfabetizados chegam ao Ensino Médio com sucesso. No Ensino Fundamental de oito anos, somente alunos alfabetizados eram admitidos na 1ª série, após provas escritas de conhecimento de Língua Portuguesa e Matemática. Mesmo hoje, com o Ensino Fundamental de nove anos, crianças de 6 anos são avaliadas para pertencer a seu quadro. Talvez, selecionar rigorosamente seus alunos seja o maior diferencial da escola. Uma grande dianteira para chegar em primeiro lugar no ENEM de 2010, com 92% de aprovação nas melhores universidades públicas.

E as milhares de crianças entre 10 a 14 anos ainda não alfabetizadas? E as outras, entre 7 e 9 anos de idade? E as de 6 anos com esperanças de ler até o fim deste ano? É necessário, sim, ter a mesma exigência do Colégio São Bento, mas é preciso dar a todos a mesma oportunidade. Entretanto, para melhores resultados, é urgente repensarmos o sistema arcaico de alfabetização que ainda norteia a maioria de nossos pedagogos.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Desalento


Há quase três anos, Gustavo Ioschpe publicou “Falência educacional: complô ou lógica?” (Revista Veja), artigo em que analisa os grupos envolvidos e supostamente interessados com a questão da educação. Seriam eles os alunos, pais, diretores de escola, professores e políticos, exatamente nessa ordem. A análise fria e verdadeira do economista termina com um desalento: “assim vamos ficando, ano a ano, mais ignorantes e despreparados.”  

Desalento principalmente para os alunos e seus pais, dois atores principais desta tragédia interminável que se tornou nosso sistema educacional. Entretanto, há uma peça fundamental, não considerada no artigo, que normalmente se omite de responsabilidade pelo fracasso dos que atuam em cena — a Universidade. Não é a Faculdade de Pedagogia a principal responsável pela formação de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental? Uma simples análise da grade curricular de alguns cursos de Pedagogia é suficiente para entendermos o fracasso de seus alunos perante as classes de alfabetização.

Ler e escrever tornou-se um problema para alunos, pais e professores, mas a Universidade continua sem uma ação eficaz para sequer amenizar os efeitos causados por ela mesma.